quarta-feira, 2 de dezembro de 2015

Surto



..:
Sabe aquele dia em você está saturado da vida?
Não aguenta fazer o que faz diariamente? 
Não suporta conversar os mesmos assuntos? 
Momentos em que até mesmo a voz e a entonação das pessoas geram uma irritação profunda?
A rotina fica insuportável. 
A mesmice te sufoca. 
A vontade é gritar e sumir. 
São dias em que até programas ou situações que sempre pareceram agradáveis e desejáveis se desenham de forma deformada. 
Viajar?? 
Af, que cansativo. 
Balada?? 
Hoje não.
Olhar o por do sol em algum lugar exótico???
Também Não.
Conversar com algum homem interessante em um passeio ilustrado e colorido?? Hoje não. Chato, chato, chato.
Não quero nada disso. 
Nesse exato momento o desejável se transformou em repugnante.
RAIVA.
Vontade de quebrar as paredes, de exterminar as pessoas, de correr pra longe, qualquer lugar em que não exista nada.
Preguiça?? 
Não é a exata definição dessa sensação que me invade de tempos em tempos. 
É mais uma aversão. 
Algo mais próximo da inquietude do que da desídia de agir. 
Um querer atuar desenfreadamente.
Ser uma musica ligada no volume máximo sem pudor com qualquer outro som que possa interromper ou modificar. 
Uma musica não. 
Existiriam muitos limites.
Essas frescuras de acordes e melodias. Que não se convergem em nada com o que estou tentando descrever. 
Um barulho. 
Barulho, único, singular, próprio, que destrói e corrói tudo.


INVASIVO.
DESAFETADO.
Gerador de uma vibração forte e intensa, que apesar de amenizável, jamais será ignorável.
Por mais que o mundo insista em me obrigar a usar protetores de ouvidos,  meu corpo e meu eu sabem que o som continua vibrando. 
Isso CHOCA. 
INCOMODA. 
DESPERTA.
Estão gritando. 
Não querer parar. 
Querem sair. 
Sair sem saber pra onde. 
Pra longe. 
Para qualquer lugar. 
Para lugar nenhum. 
XINGAM. 
ESPERNEIAM.
DESCABELAM.
Demônios e mais demônios. 
Não são pensamentos. 
São aspirações. 
Ou talvez não sejam aspirações. 
Talvez sejam contrastes.
Nenhuma droga poderia mudar essa onda. 
Nenhum chicote domaria. 
SELVAGEM.
EXPLOSIVA.
MANÍACA
Não posso dizer que essa seja uma sensação ruim. 
É BOA.
É diferente. 
Como tudo que é intenso. 
O desagradável é a impossibilidade de deixa-la fluir. 
Ou pior, de não poder fluir em seu exato ritmo.
A única ação passível de ser exercida com um grau de proximidade com essa vibe, é a redação desses devaneios dessa mente inquieta.
Mente que GRITA. 
E grita muito.
Me lembro das outras ocasiões em que esse desmedido invadiu o meu ser. 
Me lembro de estar presa na escola. 
Acometida por um absurdo sentimento de impotência. 
Olhando na janela com persianas e escutando o mundo acontecer sem que eu nele pudesse estar.
O trânsito, o som dos carros, a voz das pessoas na rua do outro lado do muro, refletiam mais o meu
interior do que aquela sala de aula parada e insuportável, que mais se assemelhava a uma prisão.
Eu imaginava o mundo dos adultos. 
E no meu sonhar, eu poderia obter liberdade quando atingisse a faculdade de ir e vir a qualquer momento. 
Mas minha inteligência e realismo, que automaticamente se contrapunham ao romantismo ilusório do lado direito do meu cérebro, já respondiam:
"Adultos só mudam de prisão."
 Se não fosse a sala de aula, seria um consultório, um escritório, uma mesa de banco, um laboratório. 
Em qualquer espaço ou tempo, eu seria prisioneira.
Enquanto aquele espírito fugitivo e desbravador estivesse encarnado em minha pele. 
E aqui estou. 
Adulta e presa em um escritório, atrás de um computador, ao lado de outros tolos que estão presos e nem sabem disso.
Talvez seja essa uma das finalidades desse “surto”, despertar o eu para realidade tal qual ela é.
Mostrar que a existência é sim um cárcere. 
E que embora confortante, vai acabar sufocando.
São dois os caminhos.
Ou você sai da cadeia e salva o prisioneiro que está lutando pela vida.
Ou mata o encarcerado e vive acomodado nesta sua cela existencial por toda a eternidade. 
Acompanhada pelo mais eterno e superficial dessentir. 
E me desculpem, mas matar o sentir é suicidar a alma. 

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