segunda-feira, 25 de novembro de 2019

Casas Vivas

Construo minha escrita como quem constrói uma casa. Uma casa sem planta, sem projeto arquitetônico ou base estrutural. Tijolo, por tijolo. Usando apenas as mãos. Letra, por letra, palavra por palavra. As ideias surgem e vão sendo conectadas. Se ao final resultarem em uma construção com porte para abrigar algo, posso garantir que isso não fez parte de um projeto desenhado. Aconteceu. Se falta técnica, sobra energia. A CASA ESTÁ VIVA.

Mas casas não devem viver. Por essa razão, talvez seja conveniente matá-la. Para que possa servir ao mesmo propósito de outras casas, que se prestam apenas a guardar coisas, sejam vivas ou mortas.

Caminho pela rua e vejo casas. Todas mortas. Como devem estar. Como foram feitas para estar. Mas ao contrário do que se espera, não guardam coisas vivas. Não guardam coisas mortas. Não guardam coisa alguma. Estão vazias. Ainda mais vazias são as almas daqueles que se negam a destina-las ao propósito a que foram feitas. O propósito de abrigar pessoas.


Penso uma, duas, vinte vezes e não consigo entender porque existem mais casas vazias do que pessoas sem casa nesse país. Não são as ciências exatas, como a matemática, que esclarecem a total falta de lógica dessa equação. São as humanas, que nesse momento não poderiam ter essa denominação. Casas mortas e vazias geram pessoas mortas e esvaziam a humanidade daquelas que se mantém aconchegadas em seus lares. Mas casas não matam. As vivas não.




quarta-feira, 9 de janeiro de 2019

Inoportuno Importante

Deixei de me incomodar com os trejeitos das pessoas. Com suas expressões, manifestações de vontade, e exteriorizações de opinião. 
Já não me incomodo com o tom da voz, jeito de sentar, de falar, de ouvir ou respirar dos seres humanos. 
Não me afeto com a inexpressividade, efusividade ou inautenticidade. 
Pouco me desalinha a maneira de vestir ou de arrumar o cabelo de qualquer pessoa ou animal. 
Nem mesmo o tom desafinado da voz ou os hábitos repetitivos e meticulosos me despertam qualquer tipo de irritação. 
Logo eu que antes perdia a paz com qualquer olhar torto, sotaque carioca ou cabelo mal cortado. Simplesmente deixei de me importunar com tudo isso. 
A palavra correta é importunar e não importar. Sigo reparando em todos os detalhes. E se reparo é porque de alguma forma dou importância. 
Mas dou importância sem me importar. 
Infelizmente nem todo o mundo exterior passou pela mesma transformação, ele continua sendo afetado pelo meu jeito de falar, de vestir e de respirar.  
E se antes eu conseguia assimilar bem e até aceitar o desconforto que minha presença gerava nos outros, agora entendo mal e aceito menos. 
A qualidade que adquiri com a evolução natural do aprendizado também veio ao lado da dificuldade de compreensão com aqueles que não desenvolveram esse atributo. 
O desafio é conciliar as duas perspectivas. 
No momento em que adquiri a prerrogativa de não me amarrar ao mundo externo, passei a ter de conviver com o embaraço de me incomodar com o que gero nesse mundo. 
Mesmo que seja um estado transitório e que a capacidade de compreensão esteja se elevando com o tempo. Estou ciente que a superação trará outro obstáculo, que pode não vir em conjunto com a corda que me levou a supera-lo.
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