sexta-feira, 16 de outubro de 2020

ENCONTRO COM O DIVINO

Não foi sua foto que vi em um aplicativo. Foi o seu rosto que reconheci. Um rosto doce, com feições levemente expressivas. Um sorriso simples e verdadeiro. Olhos bem vivos e uma alma real.

Sim, pela fotografia digital foi possível enxergar sua alma. E isso não se deve a uma habilidade mediúnica de quem olha, mas à força de quem está mostrando.

A dificuldade dos diálogos via mensagem de texto, cuja compreensão foi embaraçada pelo idioma estrangeiro e o tempo desencontrado, pela precariedade da sua internet e da minha bateria, não comprometeram meu interesse.

Você não disse coisas poéticas, não tentou me impressionar com conhecimentos ou comportamentos. Conduziu as conversas com todo respeito e atenção que elas mereciam.
Por uma, duas ou três noites nos desencontramos. Você seguiu seu roteiro não programado e foi para outro destino. Mas por mero acaso meu planejamento me levou para cidade onde você estava.
Uma conversa. Um horário. Um local. Duas descrições de vestes. Em outros tempos um bilhete enviado por mensageiros ou pombo correio teria gerado o mesmo efeito. Era como se o encontro já houvesse sido agendado por outras forças.

O tempo nublado escondeu o pôr do sol, mas não extraiu a beleza daquela tarde. O mar azulado e calmo, contrastou menos que de costume com o céu acinzentado. O branco da espuma oceânica combinava com o das nuvens. O bege escuro da areia molhada se amarrava ao bege claro quase marfim da areia seca e fazia daquele cenário o lugar adequado.

E o que antes era adequado passou a ser exato no momento em que avistei você.
Você estava a cerca de cinco metros de distância, vindo exatamente em minha direção. Não precisei conferir a descrição da roupa ou chamar seu nome. Sabia que você era você. Reconheci seu rosto. Depois sua alma, mas antes de tudo, lembrei do seu sorriso.

Foi quando o tempo parou. O mar silenciou e foi como se tudo estivesse em câmera lenta de forma que nenhuma máquina cinematográfica poderia filmar. Esse tipo de coisa tem um ritmo que a arte não está apta a reproduzir, porque ela só imita a vida. Nunca o que está além dela.

Não sei apontar em minutos mundanos quanto tempo durou esse fenômeno. Mas depois que o som retornou aos meus ouvidos e a câmera voltou à velocidade habitual, meu interior seguiu alterado. Não tremi, não transpirei, não fiquei ofegante. Era como se pela primeira vez em trinta anos eu estivesse respirando de forma correta.

Meu pensamento parecia igualmente acertado e fluido e por duas horas falei o melhor inglês da minha vida. Meus músculos faciais não sabiam se portar de outra forma, senão rindo. Mas nem por isso ficaram doloridos ou desgastados, o riso era leve.

E eu que sou uma exibicionista compulsiva, nem me lembrei de tentar impressionar ou seduzir.
Não demorou para que nossos corpos se sintonizassem, e após uns trinta minutos da conversa mais deliciosa e despretensiosa que já tive, nos beijamos.

Tudo era sentido, tudo fazia sentido. Foi como se todos que vieram antes, tudo que vivi, tivesse de alguma forma contribuído para a perfeição daquele momento. E aqui, a única palavra a ser usada é essa, perfeição.
Inobstante o excesso de magia, Iemanjá resolveu nos abraçar com a chuva mais quente que já tocou minha pele.

Quando ela caiu foi como se o universo tivesse resolvido participar do encontro. As gotas que tocavam a areia e o mar pareciam suspiros das entidades que não só nos acompanhavam, mas aprovavam.
Sem procurar ou almejar você se esbarra com o divino. Apesar de não ter buscado, recebeu todas as orientações de como encontra-lo. Ele não chega de surpresa. Te avisa de diversas formas e pede autorização para entrar. Cabe a você abrir a porta ou mantê-la fechada.

AMOR ROSA

 Sempre fui uma defensora do amor.

Essa sempre foi a força que me moveu e impulsionou a seguir em frente e fazer tudo.
A motivação perdida no fim do túnel.
Aquela última gota de estimulo encontrada no meio do deserto.
O encontro com o sentido no amor me é tão comum nas fases mais alegres e eufóricas como nas mais depressivas.
Sempre achei que houvesse algo muito próximo entre a tristeza e alegria.
Por alguma razão os momentos mais felizes da minha vida sempre foram sucedidos por uma gota de tristeza. Uma gota não, um gole.
O inverso não ocorreu nos momentos tristes, que nem de longe estiveram acompanhados de alguma alegria.
Mas esse não é o ponto.
Essa é uma reflexão sobre o amor.
Talvez existam várias formas, várias amplitudes e intensidades desse sentimento. Dessa vertente.
Desse modo de vida.
Amor equilibrado, amor puro, amor incondicional, amor apaixonado, amor doentio, amor amor.
Amor sóbrio, amor insano, amor pedido e encontrado.
O amor de que estou falando é cor de rosa.
Não sei porque, mas sempre que penso no amor pela vida, por si mesmo, pelas ações, me vem a cabeça um cor de rosa médio.
É feminino. Mas não muito. O gênero do substantivo também conseguiu masculinizar um pouco esse amor.
Amor;
Essa palavra me inspira mais que qualquer outra.
É minha resposta imediata para qualquer pergunta simples. “O que você considera mais importante no ambiente profissional? Amor
O que você acha que falta na sociedade? Amor
O que é mais importante em um relacionamento? Amor
Alguns dirão que essa é uma forma romantizada e ingênua de ver o mundo. Eu insistirei em não concordar. Talvez por amor ao debate, mas por mais amor ao amor.
O mundo têm muitos problemas, temos uma existência muito breve e inteligência muito limitada para olhar para a vida e para os outros acompanhados de qualquer outro que não seja o amor.

NADA É PERMANENTE

 

Cada vez que algo novo, ou não tão novo, acontece, esse acontecer ativa aquilo que já parecia antigo. É como se tudo que foi minimamente semelhante com o agora voltasse a ser.

Embora os novos amores não sejam tão inéditos e inusitados como os primeiros, são mais vibrantes. Vibrantes e carregados. A perda da originalidade chega ao lado da elevação da intensidade advinda da transformação do amor atual em uma potência dos amores anteriores. Amor ao quadrado, ao cubo, à quarta potência... Como todas as outras, essa formula não possui aplicação isolada. Ela também vale para os outros sentimentos e fica ainda mais nítida quando se fala em dor. Sempre que uma desilusão bate a nossa porta ela vem acompanhada de todos os desencantos pregressos. Que ressurgem em versões ainda mais árduas. São as feridas que nunca se fecharam mostrando que ainda estão sangrando.

Nada é permanente, mas tudo parece permanecer.

Natália Bayeh
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