segunda-feira, 13 de novembro de 2017

Novo Ciclo

Tudo está a acontecer.
Nada estou a obedecer.
Um tempo perturbador e desbravador parece ter chegado.
Uma era de recomeço, de mudanças definitivas, de desvestir a pele antiga e usar uma nova desconhecida.
De experimentar novas emoções, de reagir de novas formas.
De chorar para o que não causa choro, de rir do que não é engraçado.
De escrever.
Porque escrever é de sempre.
Sempre que algo novo ou antigo volta de forma inesperada no meu dia.
Na minha vida.
No meu ano.
Estou perdida em um caos sem previsão de ritmização.
Em um labirinto que se transveste de mapa.
As pessoas não fazem sentido.
As pessoas não me fazem sentir.
As coisas não querem lógica.
As coisas só querem LOGO.
Ao contrário de todos os outros momentos de minha vida, eu também quero para agora.
Quero para ontem.
Quero a mudança já.
Não aguento um só dia nesse estado de “transição”.
Não quero ficar leve aproveitando o que tenho, despedindo do que não terei mais.
Eu apenas quero, eu preciso encerrar de vez essa etapa da minha vida.
Preciso pular para o novo ciclo. Preciso matar e enterrar o que já não me serve, o que não cai bem.
Desvestir de vez o que não suporta mais ser vestido.
Nunca tive tanta necessidade de uma mudança.
Não é apenas anseio de melhora, ou aspiração de uma nova vida. Não desgosto da minha.
Mas depois de tanto tempo, de tanta energia depositada em um planejamento, tudo que quero é que ele se concretize.
Nem tenho medo do que não pode dar certo, só tenho pavor que algo nem possa vir a dar.

quinta-feira, 23 de fevereiro de 2017

Metades

Esse não é um texto sobre ações afirmativas ou sobre apropriação cultural. Questões que não domino e que não podem ser debatidas sob o prisma da individualidade.
É apenas um breve manifesto sobre parte da MINHA construção indenitária.


Metade de mim é árabe e outra metade não.
Metade da metade que não é árabe, é afrodescendente e a outra metade dessa metade tem duas metades, uma indígena e outra branca.

Minha metade árabe se conhece, sabe sua história, sua língua, aprendeu sua dança, se exibe no nome, se mostra nos hábitos e é reconhecida pelas manias.
Dessa metade todos tem orgulho, todos deixam ser, aplaudem os modos e querem saber dos causos.
Sabem até seus “podres”, mas nunca se esquecem das virtudes.
Vira rua, dobra esquina, essa metade sempre se enxerga no espelho das metades dos outros, nos olhos e no caminhar dos “brimos”, que não conseguem esconder seus narizes e nomes.
Se me apresento como libanesa, ninguém abre a boca pra contestar, está escrito em meu nome, grafado em meu sangue.

A metade afrodescendente se reconhece, mesmo sem se conhecer bem.
Sabe de pequenina parte da sua história, aprendeu suas lendas, suas lutas, se exibe nas formas, nos gostos, nos gestos e até nos medos.
Dessa metade não são todos que se orgulham. Não querem saber sua verdade, sua origem ou suas memórias. Negam. Ignoram e atropelam.
Dessa não me deixam pertencer, mesmo estando impressa em minha forma física (mais nos traços e menos na tonalidade da pele).
Se digo que sou negra ou afro descendente, ou fazem piada ou batem o pé pra dizer que não sou, não posso ser, porque minha pele é clara.
Pior que a negativa do direito de me definir como metade do que sou é o que motiva essa negativa. O julgamento de que essa identidade não pode ser minha e que não é o melhor querer para um indivíduo. Algo que não deveria nem ser almejado, quanto mais pleiteado.
Pouco importa se essa é a minha percepção como individuo, ou sem me sinto mais igual aos seus iguais.
O amor que tenho à sua ancestralidade e a identificação com tudo que lhe é inerente também é irrelevante, pois minha pele não é tão escura, e não me encaixo nos critérios do que é admitido como padrão desse grupo.

Metade da metade que não é árabe, é indígena.
Essa eu conheço pouco e reconheço menos. Sua história não me foi contada, e embora possa estar se mostrando em seus costumes, gostos e gestos, não sabe disso.
Guardei algumas lendas e aprendi outros significados com a maior intensidade que pude. Mas não ajudou.
O mundo de fora apaga o que foi deixado e quebra os espelhos.
Dessa nem tiveram a chance de negar autodefinição.
Não conseguiram gerar em meu ser a possibilidade de me apresentar como indígena.

E tem a outra. A metade branca, possivelmente europeia, de algum país que não sei apontar.
Dessa eu sei nada especificamente e tudo genericamente.
Conheço mas não reconheço. 
Vivo em um mundo dominado por ela com o sentimento de que dele não faço parte.
Aprendi sua religião, sua língua, seus costumes e seu pensamento, herdei alguns gostos, gestos e modos.
E mesmo que todos insistam em colocar um espelho na minha cara, eu não enxergo a mulher branca do outro lado.
Seja por assimilação ou por condição.
Mas eu sei bem, que se um dia eu quiser criar um enredo, e sair por aí dizendo que sou portuguesa e branca, muitos irão aceitar.
Minha pele não é tão escura, o panorama histórico não exclui a possiblidade e é algo digno de ser buscado.
Talvez alguns mais críticos e atentos contestem essa “branquitude” em um simples olhar aos meus cabelos, o que poderia ser rapidamente resolvido com um alisamento.

Algumas metades são maiores que outras, são mais fortes e por isso, maiores, mesmo sendo menores.
Não posso ser tudo que sou, só metade.
E não qualquer metade.
Só posso ser a metade que me deixam ser.
Para mim, identidade não é apenas o modelo de apresentação, mas a linha entre apresentação e aceitação.
O que eu digo que sou e o que entendem que sou (autodefinição e identidade atribuída)
Por isso, se um dia eu lhe disser que sou negra e afrodescendente, apenas peço que se não puder ou quiser me enxergar como tal, faça a gentileza de ficar calado.
Não venha me explicar de A a Z, como crítico analítico que não é, o que não posso ser.
E, principalmente, não tente me fazer achar que isso é uma honraria, porque não é.



Identidade: “É a forma dos indivíduos se reconhecerem e de serem reconhecidos,  a maneira como se vêem e são vistos. Assim, aquilo que os outros dizem e esperam dele, passa a fazer parte do que ele acha que é a sua natureza e modelará o seu perfil, a sua forma de ser.” (Elizete Silva Passos
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